
Na Sibéria, um mistério um tanto quanto sombrio teve início quando um pescador da aldeia de Lyovikha atravessava a floresta da região no domingo de 22 de julho e se deparou com algo que mal conseguiu distinguir.
Espalhados perto de seus pés e esparramados para fora de barris industriais de alumínio estavam 248 corpos minúsculos, os restos mumificados de fetos, muitos deles com uma etiqueta na qual estava escrito um sobrenome.
Abalado com o acontecimento, a ponto de passar o dia seguinte inteiro lutando contra náuseas, segundo seus amigos, o pescador voltou para a aldeia e chamou a polícia.
A polícia confirmou que essa não foi a primeira ligação como essa que recebeu de Lyovikha, uma aldeia que se afundou no alcoolismo e na criminalidade após o colapso da União Soviética, quando a mina de cobre local que empregava a maioria de sua população masculina fechou.
Cinco anos atrás, um cão estava farejando em torno de algumas árvores e descobriu 15 corpos em decomposição de mulheres e meninas com uma média de 13 anos de idade, sequestradas da cidade vizinha de Nizhny Tagil por uma gangue de homens locais com o objetivo de forçá-las a se prostituírem.
Buscas
Mas, apesar do perturbador número de corpos, especialmente preocupante foi o quão pouco a polícia aparentemente havia feito para procurar essas mulheres, desaparecidas há anos – uma dentre as muitas casualidades do colapso de uma economia industrial.
Desde a chegada da polícia ao local dos fetos abandonados na semana passada, as autoridades emitiram novas atualizações sobre a desagradável descoberta.
Uma comissão especial anunciou que os fetos foram doados para a Academia de Medicina de Ural para fins de pesquisa. Autoridades disseram que os fetos maiores tinham cerca de 22 a 26 semanas de idade, já além do limite de 12 semanas para o aborto conforme as leis locais, e não excluíram a possibilidade de que nasceram prematuramente.
Mas com muitas perguntas ainda não respondidas, a descoberta provocou uma nova rodada de questionamentos – especialmente por parte da Igreja Ortodoxa Russa, que está no meio de uma campanha para tentar acabar com o aborto. Um oficial de alto escalão da Igreja chamou as evidências de “a degradação da nossa sociedade” e disse que a Rússia nunca reconstituirá sua população se continuar “tratando suas crianças não nascidas como lixo.”
Mas o fato não causou muita comoção em Lyovikha, onde às 11h da manhã já se veem cães de rua vagando pela aldeia com casas em condições precárias e uma considerável quantidade de pessoas bêbadas logo cedo.
“Não há futuro para essa aldeia”, disse Alexander Tveretinov, 57 anos, cujo filho levou a polícia até os fetos. “Estávamos acostumados a ter 18 mil habitantes, agora temos apenas 4 mil. Metade de nossa população é composta por vagabundos. E, a cada dia, um de nós morre.”
Crimes
Embora não exista nenhuma conexão direta entre os dois achados, ambos demonstraram o desespero das pequenas cidades do cinturão da ferrugem (antiga área de indústria pesada) da Rússia após a queda da União Soviética.
Muitos moradores da aldeia imediatamente assumiram que os fetos descobertos no domingo estavam sendo usados no tráfico de seres humanos, possivelmente para fornecer matéria-prima para procedimentos estéticos ou médicos. Vadim Dubichev, assessor de governador da região, disse que esse acontecimento lembrou o caso das mulheres encontradas em 2007.
Houve pouca discussão sobre a descoberta em Lyovikha, um lugar que enfrenta um tipo de morte lenta. Sua entrada é estampada com o slogan “Glória ao trabalho! Glória aos mineiros!”, mas a mina está coberta com água lamacenta, e como disse Tveretinov: “Não há mais necessidade de pessoas morando aqui.”
A população atual vive com pensões que o governo pagas aos idosos, que é suficiente para abastecê-los com vinho barato.
The New York Times por Ellen Barry