Nos velhos tempos, foi um grande jogador de polo e, como todo bom Junqueira, um arrojado caçador de veado. Há dez anos levou um tombo no banheiro e ficou paralítico.
Na noite do último dia primeiro de fevereiro ele, mulher e filhos e seus empregados foram vítimas de um assalto que chocou São Joaquim da Barra.
Foi no início da noite na fazenda São Pedro do Ingresso, a 6 quilômetros de São Joaquim. Chovia e relampejava. O caseiro José Ivaildo, o Zé, de 44 anos, ao lado da mulher e filhos, comia requeijão quando de repente a luz apagou. Acenderam uma vela. Nem deu tempo de voltar a comer, alguém bateu na porta. O Zé foi ver quem era. Neste momento a energia voltou. Quando abriu a porta deu com um homem vestido de preto, encapuzado, com uma espingarda na mão. Zé tentou fechar a porta. Mas não resistiu à força de quem estava lá fora e que também enfiava canos das armas forçando o batente da porta. O caseiro ainda tentou dominar o homem de preto, mas eles eram muitos, também armados, com revólveres. Zé percebeu que era melhor não resistir, se entregou. Todos foram amordaçados.
– As muié minha (esposa e filhas) garrô chorá, gritá.
Eram nove assaltantes, só dois não estavam encapuzados, um que parecia ser o chefe da ação, “um brancão, e um branquim, de menor”.
– Os zôto era tudo mais pra moreno, dois era pardo, contou a Bete, Elizabete Aparecida da Silva, de 43 anos, mulher do caseiro.
A sangue quente
Na sede da fazenda, a uns 100 metros da casa do Zé, o xará e patrão José Carlos Junqueira Enout já estava na cama ao lado da mulher de seu segundo casamento, Elizete de Oliveira. Assistiam a TV no quarto. A cadela da raça fila, no cio, estava presa no canil e a porta da casa, apenas fechada, não trancada.
Continuava chovendo e, estranho, os outros cachorrinhos da casa não deram nenhum alarme.
Os assaltantes forçaram o caseiro a levá-los até a sede. E chegaram fácil ao quarto de José Carlos. Entraram com as armas, ameaçando:
– Onde está o dinheiro? Onde está o dinheiro?, lembra Elizete. Falei que não tinha dinheiro, mas que êis pudia levá tudo.
Elizete deitou-se sobre o peito do marido para protegê-lo e pediu:
– Pode levá tudo que ôceis quisé, só num quero que faiz nada quêle… – Elizete é uma mulher simples, nascida no sul de Minas e fala assim mesmo, com palavras e sotaque dos antigos colonizadores da região.
Apesar do apelo, os assaltantes, sem nenhum respeito a um homem paralítico, enfiavam o cano do revólver no rosto do fazendeiro:
– Anda… fala onde tá o dinheiro!
Alarme e fuga
Dois jovens, um filho de criação dos fazendeiros, o Samuel e um neto, o João Carlos, estavam no outro quarto, ouviram o barulho e perceberam que estava acontecendo um assalto. Fugiram pela janela. Um deles foi pedir socorro ao caseiro.
É o Zé Ivaildo quem conta:
– Quando o João abriu a porta da conzinha aqui em casa ele viu que os home tava aqui também. Um apontou a arma, mas ele bateu a porta e saiu correndo estrada afora. Aí um deles falô: sujô, avisa lá que um fugiu. Vamo imbora.
Só depois se percebeu que os assaltantes haviam se dividido em dois grupos para a ação, o que permaneceu na casa do José Ivaildo com as mulheres amordaçadas e outro que foi para para a sede da fazenda.
A mulher do fazendeiro lembra que, antes de abandonar o local às pressas, levaram o que deu: cerca de R$ 200 em dinheiro, “um colar de pérola de três vorta, com brilhante e ouro” avaliado recentemente em R$ 16 mil e “uns troféu do Zé”. Também, sem nenhum respeito, arrancaram a aliança da mão de Elizete.
No outro dia, ao amanhecer, se via pela estrada que leva à fazenda São Pedro algumas peças de roupas abandonadas pelos assaltantes, que, segundo o caseiro José Ivaildo, estavam em dois carros, “uma picape e um carro grande” .
O caseiro acha que os assaltantes sondaram bem a fazenda antes do assalto:
– Chegaro já perguntano: cadê o cadeirante, cadê o cadeirante?
O policial Sandro Bonadio diz que os assaltantes não são de São Joaquim da Barra e tem uma pista para chegar aos homens, mas guarda segredo para não atrapalhar a investigação.
Hoje, a casa da fazenda São Pedro do Ingresso continua mobiliada, limpa, em ordem, mas vazia. O casal de fazendeiros mudou-se para a cidade. Só o caseiro Zé permanece, mas mandou mulher e filhas também para São Joaquim. Todos estão com medo.
José Carlos Junqueira Enout, que tinha por única distração ficar no alpendre da fazenda escutando passarinhos, olhando a movimentação das galinhas, dos cachorros, e dos peixes num tanquinho, agora está calado, amargo.
Com um gesto explica que não quer falar nada sobre o que aconteceu naquela noite. A mulher lhe passa um comprimido e ele leva o remédio à boca, com a mão trêmula.
Fonte: João Garcia – Jornal A Cidade